Alcoolémia XXVI anos - Entrevista a João Beato
Esta é a terceira entrevista a ser publicada, em homenagem / celebração dos 26 anos de carreira dos Alcoolémia. E hoje, quem fala connosco é João Beato, o vocalista discreto, que foi roadie.

RA - Olá João! Apesar de todos os teus afazeres, conseguiste uns minutos para o Rock In The Attick, o que muito te agradecemos. E vamos começar por te fazer uma da perguntas comuns a todas as cinco entrevistas. Quem é o João Beato? Que momentos da tua vida te marcaram?
JB - Nasci no dia 19 de Setembro de 1978, nas Caldas da Rainha, mas nunca lá vivi. Os meus pais tinham vindo para a Margem Sul em '74 e cá nos mantivemos até hoje. Passei a minha infância e juventude no Laranjeiro, com o melhor grupo de amigos que se pode imaginar. Vivemos aventuras fantásticas, beneficiando de uma liberdade brutal que permitia às crianças brincar em grupos enormes na rua, pois havia nessa altura uma numerosa população infanto-juvenil na zona suburbana de Lisboa, fruto da margem de crescimento urbano e profissional que havia nessa área no final dos anos 70 e nos anos 80. Penso que essa liberdade e essa convivência precoce com as mesmas pessoas teve um contributo valiosíssimo para a minha formação pessoal e social, não obstante a convivência familiar, claro. Mas o meu grupo de amigos seguiu junto pela juventude dentro até ao iníco da idade adulta e consequente disseminação já numa fase mais recente, fruto do trabalho ou da formação de família por cada um. Ainda assim, vamos mantendo contacto. Os meus amigos foram, para mim, uma espécie de família alargada.
No que toca a momentos marcantes da minha vida... a morte no meu pai, quando tinha 5 anos; a minha mudança para estudar em Beja e os 4 anos que se seguiram; a conclusão dos estudos; e o mais importante, o nascimento das minhas filhas; entre muitos outros acontecimentos que contribuiram para aquilo que sou hoje.

RA - Qual foi o momento da tua vida que marca o teu futuro como músico? Aquele momento em que disseste "é isto que eu quero fazer"?
JB - Para te dizer a verdade, esse
momento ainda não aconteceu. Quando somos miúdos, pensamos nisso, mas não
tomamos decisões muito sérias ou consequentes. Desde cedo percebi que viver da
música é algo muito difícil de conseguir, especialmente em Portugal. Ainda hoje
continuo a abordar a música dessa forma, pois não estando dependente dela para
a minha subsistência, permite-me vivê-la de uma forma mais livre e criativa, o
que até hoje para mim tem funcionado bem.
RA - Quais as tuas influências musicais?
JB - Acho que sou influenciado por tudo, um pouco. Desde o Swing dos anos 20, o Blues dos 30s, as baladas dos anos 50, ao psicadelismo dos 60s, ao Hard Rock dos 70s, às melodias dos anos 80 (porque a estética era para mim, de morrer) à irreverência do Garage Rock ou da electrónica dos 90s, consigo encontrar inspiração em quase tudo, muito embora seja quase sempre na esfera das guitarras com distorção.
RA - Como vês a actualidade musical? O Rock é, hoje em dia, um nicho de saudosistas?
JB - Na minha opinião, vejo o Rock como sendo a minha casa, musicalmente. E ao que parece, vivo cada vez mais longe da Metrópole. Tenho a perfeita noção de que em Portugal, o público jovem está mais ligado ao ressurgimento do Hip-Hop e de alguma música de influência tropical. O Rock está neste momento a enfrentar uma baixa de popularidade nos mais novos, mas continua a ser um estilo de música que vai e volta nos ciclos das modas. Nos anos 70 também houve um tempo em que o Funk e o Disco dominavam o panorama musical, assim como nos anos 80 a Pop dominou, acabando por culminar num retorno do Rock ao primeiro plano pelas mãos de bandas como os Guns n' Roses ou o movimento Grunge em Seattle no final dos 80s/início dos 90s. Ainda assim, sempre houve grandes bandas, grandes músicas e grandes concertos de Rock e certamente que irão continuar a haver, pois é aí que o Rock se revela, na energia dos concertos ao vivo.
RA - As plataformas digitais, o facebook, o YouTube, são uma forma de chegar
a mais público e a novo público. Como é que isso impacta, se é que impacta, nos
Alcoolémia? Trouxe alguma alteração ao público que vai aos vossos concertos?

JB - As plataformas digitais são um meio de comunicação e publicitação de um valor inestimável (para nós pelo menos, pois os empresários do ramo cibernético conseguem certamente estimar o seu valor). Existe, desde há uns anos, esta facilidade digital em informar as pessoas sobre o trabalho que estás a desenvolver, anunciar concertos e lançamentos de música, vídeos, ou pura e simplesmente comunicar com as pessoas que gostam do teu trabalho. Isto cria uma maior proximidade entre um artista e o seu público. Essa proximidade exige também algum tempo e disponibilidade por parte dos músicos, coisa que nem sempre existe. No que toca aos Alcoolémia, não consigo ter a noção concreta da influência que as redes sociais / plataformas digitais têm a nível de público ou da sua caracterização. O público dos Alcoolémia abrange um universo de nível nacional e tenho conhecido imensas pessoas nesse âmbito, pois são pessoas que sempre seguiram os Alcoolémia e que não conhecia. Pessoalmente, utilizo esses recursos enquanto ferramenta de trabalho, como forma de publicitar concertos ou lançamentos e partilhar música. Não passo muito tempo em redes sociais, pois gosto de dedicar o máximo do meu tempo à minha família. E presencialmente, claro.
RA - Tens outros projectos musicais. Como é que os conjugas com os Alcoolémia?
JB - Sim, tenho mais alguns projectos musicais, nomeadamente um projecto a solo chamado BENGHAZI, e dois tributos: um a Pearl Jam, chamado Pearl Band; e outro ao Eddie Vedder, também a solo. A conjugação destes projectos com os Alcoolémia é feita com relativa falcilidade, pois existe algum cruzamento de pessoas em todos eles. O guitarrista dos Alcoolémia, o Pedro Madeira é também guitarrista dos Pearl Band. O baterista dos Pearl Band, o Paulo Antunes, é a metade logística e organizacional do tributo a Eddie Vedder. O baixista dos Pearl Band, Nuno Pereira já foi baixista dos Alcoolémia durante cerca de 2 anos. O baixista dos Alcoolémia, o Bruno Paiva, também já fez umas temporadas com Pearl Band. E somos todos amigos e pessoas razoáveis. É por isto que conseguimos articular as agendas de todos os projectos. Já BENGHAZI é um projecto a solo, algo caseiro, ao qual me dedico sozinho nos meus tempos livres e horas de almoço, quando não estou com a família. Por isso não interfere com os restantes. E assim se vai fazendo tudo...
RA - Como surgiu a oportunidade de seres vocalista dos Alcoolémia?
JB - A oportunidade de ser vocalista dos Alcoolémia surge de um convite do meu amigo Pedro Madeira, a sugestão do Manelito. Já vinha trabalhando com os Alcoolémia enquanto elemento da equipa técnica, vulgo Roadie, desde cerca de 2002. Em 2003 acabei por fazer os concertos dos Alcoolémia como Baixista. Voltei a ser Roadie em 2004 e sempre estive próximo da banda. Em 2008, após a saída do anterior vocalista, foi-me feito o convite e aceitei, pois achei que seria um bom desafio profissional e musical.
RA - A ideia que temos, quando olhamos para ti, é de uma pessoa mais reservada, que gosta de estar no seu canto, podemos até dizer, com alguma timidez. Mas quando estás em palco, essa ideia desaparece por completo: és enérgico, comunicativo, interages com todos os elementos da banda, não páras! Qual é o verdadeiro João Beato? O calmo, o frontman ou um misto dos dois que se equilibram?

JB - Na realidade, eu sou assim mesmo. Gosto de estar descansado no meu canto e se possível, passar discretamente, quando me encontro em situações de grande confusão. Gosto de ser só mais um no meio da multidão, pois na verdade, é só isso mesmo que sou. Quando estou em palco, ou em pequeno grupo de gente conhecida, geralmente fico mais à vontade, pois o universo de pessoas em que estou inserido é mais pequeno e próximo. Em palco somos só 5. Adoro brincar com eles em palco e fazer coisas de que não estão à espera. Os olhares deles não têm preço, nessas situações! E não posso deixar a diversão toda só para os eles, certo? E sim, eu sei que o público é a parte mais importante de qualquer concerto e que nessas situações não estou em pequeno grupo. Mas como não posso usar os meus óculos quando estou a tocar, torna-se mais fácil abstrair-me da dimensão do público. Já fiz várias vezes a seguinte analogia com os meus colegas, por alturas de concertos no Campo Pequeno ou no Coliseu do Porto, entre outros com 5, 6 ou 7 mil pessoas no público: para mim, e como forma de relativizar as coisas, é como se fosse uma imagem que está à minha frente, uma tela viva, em que as pessoas estão a gritar, cantar, dançar e aplaudir, mas eu não me apercebo muito bem disso pela minha falta de vista e pela minha escolha de manter essa tela enquanto um elemento que está para lá da 4ª parede. Ainda assim, gosto de por vezes cruzar a linha que separa essa 4ª parede do palco e juntar-me ao público. Mas, para isso acontecer, tem de ser um público excelente e eu tenho de estar a curtir milhões. Às vezes acontece.
RA - O vocalista de uma banda é o seu elemento fulcral. É o frontman, é a voz das músicas, quem as interpreta, é o porta-voz da mensagem de todos. Como foi substituir o Jorge, que era uma figura mítica dos Alcoolémia? Qual a reacção dos fãs?
JB - Nunca considerei que estava a "ocupar o lugar" do Jorge Miranda. Tal não seria possível. Sou uma pessoa ambivalentemente diferente dele. Não só na voz, como na postura em palco, como na abordagem musical, etc. Aceitei o convite para ser o vocalista dos Alcoolémia, pois pareceu-me um bom desafio, já conhecia o grupo de trabalho e sou amigo (e companheiro de bandas) de longa data do Pedro Madeira. Até hoje, a reacção dos "fãs" e amigos da banda tem sido positiva, pelo menos a nível presencial com as pessoas. Também já li críticas menos favoráveis nas redes sociais, o que é perfeitamente compreensível e aceitável, como é lógico. Vivo bem com isso, tranquilamente.
Ainda assim, e
sabendo que na cultura popular, o vocalista da banda é o "Frontman" da mesma,
gosto de me escusar a esse papel e deixá-lo para os elementos mais antigos da
banda, o Manelito e o Madeira, pois considero que o fazem melhor do que eu.
Sempre achei que os Alcoolémia tinham três factores que eram distintos e
representativos da banda: Primeiro - a voz do Jorge Miranda, muito própria e
característica da rebeldia espelhada nas interpretações e letras; Segundo - o estilo
de Rock rápido e meio Punk intercalado com uma mão cheia de baladas para
equilibrar; e Terceiro - o Manelito, na sua presença e imagem representativa,
facilmente identificado e relembrado por todos. Após a minha entrada, os
Alcoolémia perderam esse primeiro factor; adaptaram o segundo para um Rock menos
rápido e próximo do Punk, não por minha sugestão, mas como resultado de uma
evolução natural da abordagem musical da banda já evidente nos álbuns
anteriores; e mantiveram o terceiro factor, o eterno Manelito, imagem e alma dos Alcoolémia. Contas feitas,
dá cerca de 1,5 em 3. Como escrevi uma vez numa publicação do Tó Pica, no
Facebook, gosto de pautar pela mediocridade. E o facto de viver bem com isso
ajuda-me a ser muito mais feliz e resoluto com a vida. LOL! Keep on Rocking!!!

Obrigada João! Gostámos de te conhecer para lá da quarta parede!
Rosa Soares (Rocky Rose)