DESERTO - Um Oásis Musical
Os DESERTO de hoje, são uma
banda muito diferente do que eram em 2013, a data do lançamento do seu EP.
Hoje, a sua sonoridade é aquela com que a banda se quer assumir e é o que se
encontra reflectido no seu excelente trabalho de 2014, o LP "Filhos do Deserto",
e que desde já vos recomendo!
Mas o EP homónimo faz parte da história dos DESERTO e por isso falarei dele hoje.
Sendo este o primeiro trabalho
editado da banda, é notória a versatilidade da banda, que revela uma maturidade
que não nos surpreende quando sabemos de onde vêm os seus músicos: nada mais,
nada menos que dos Ex-Votos, nome bem conhecido do Rock nacional nos anos 90. O
vocalista, Miguel Sousa, apesar de não ter passado pelos Ex-Votos, não é nenhum
iniciado nestas lides, vindo dos Sugar Baby Condoms, onde também tocava
guitarra.

Ouvir os DESERTO de agora é uma experiência muito diferente de ouvir os DESERTO de 2013, onde
ainda procuravam a sua identidade e experimentavam sonoridades diferentes,
procuras essas que se encontram nas seis músicas do EP. Tal como confidenciou
Miguel Sousa na muito agradável conversa que tivemos "se alguém for ouvir os
DESERTO pela primeira vez através do EP, ouve sonoridades que o levarão para
uma realidade que já não é a nossa realidade e que se afasta do nosso
objectivo". Enquanto fã dos DESERTO, não posso deixar de concordar, mas também
não é menos verdade que foi com o EP que tudo começou...
Assim, aqui fica a minha "review" deste EP "DESERTO" de 2013, do qual gosto muito.
Oscilando entre sonoridades e letras que nos remetem para o punk ou faixas mais intensas/ introspectivas, o álbum tem seis temas bastante fortes, todos eles escritos por Miguel Sousa.
"Apanha o Avião" - claramente
uma crítica social, contextualizada na postura política do momento. Tem um
ritmo fantástico, daqueles que fazem bater com o pé no chão. Faz-me voltar à
minha adolescência punk, em que músicas como esta se tornavam em hinos de uma
geração inconformista e inconformada.
"Faz Frio" - remete-me para a vida do dia-a-dia, tantas vezes vazia de sentido, em que se vive num vazio cheio de nada. "Troco por conversas os trocos que eu não tenho". É um tema com letra forte, que nos faz reflectir, ir ao interior profundo de nós mesmos, onde por vezes é doloroso ir, onde já nem a morte é solução para quem já está morto por dentro "Faz frio neste vazio, o suicídio já não é original". É quase um divã de psicanálise. Adoro!
"Num Só Dia" - esta música tem um vídeo muito forte, visualmente, assim como toda a música está carregada de uma agressividade crescente nos, brilhantes riffs de guitarra, de Paulo Basílio e numa secção rítmica forte (Mário João e Jô Gonçalves), com uma linha de baixo brutal. Toda a música vai num crescendo sufocante que nos acelera a respiração e leva a um fim angustiante. É magnífica toda a composição!
"Pagas Tu" - mais um registo de influências punk e letra de crítica social, mas que está bem longe do "Faz Tu Mesmo" improvisado, do punk de outros tempos. Aqui, temos riffs bem conseguidos, bom baixo e bateria coesa, o que nos revela uma banda que sabe bem o que faz, e faz bem!
"Respiração" - aqui a carga erótica e sexual da letra apela à entrega pela entrega, sem pudor, sem esperar nada no fim "Nunca vou-te dar a mão". Neste tema, a ambivalência da mensagem, algo característico nos DESERTO, torna-se mais evidente, remetendo-nos a letra, para uma quase negação do tudo o que está a ser dito - "eu sei que queres ser diferente, mas dizes que não e danças no varão". Para além da letra, a música é forte, de ritmo oscilante, tal como o prazer que evoca.
"Sem Dormir" - um baixo fantástico, intimista, sedutor, que se intensifica com a voz forte e crua que caracteriza o vocalista, Miguel Sousa. Leva-nos para uma despedida em que apenas fica o "adeus". Ritmo forte, em alguns momentos quase sufocante, psicadélico, ambivalente, tal como a privação do sono a que faz referência. Mais uma vez, a letra tem uma profundidade que nos leva a um interior, nem sempre fácil de aceder.

Os DESERTO cantam em português e conseguem ter uma dureza e força pouco comuns na nossa língua materna. Do ponto de vista instrumental, são fortes, coesos e pouco "meigos". Vocalmente, o Miguel Sousa não podia ser melhor: excelente dicção, voz dura, crua, mensagem directa, como se nos quisesse entrar na alma. Não é "lamechas" nem suave, mas também não é rude. É uma voz com melodia, um tom extremamente agradável, que nos seduz mesmo nos registos mais gritados, com um timbre característico, que me agrada bastante. Instrumentos e voz estão numa sedução permanente em que o resultado é fantástico.
Rosa Soares (Rocky Rose)